A China dos anos 60 está viva nos Estados Unidos de 2021 – ou melhor, e mais precisamente, nas alturas da elite intelectual de Nova York.
Os interessados em história ainda devem se lembrar de um dos hábitos mais extravagantes da ditadura comunista da China nos tempos do ex-presidente Mao e da sua “Grande Revolução Cultural Proletária”: a “autocrítica sincera” que o infeliz autuado pela polícia por causar algum incômodo ao governo, real ou imaginário, tinha de fazer em público antes de ser despachado para um campo de “reeducação”. Ali, sem data para sair, tinha a oportunidade de se arrepender de seus “graves erros” e, quem sabe, voltar um dia a servir ao povo e a seu Guia Genial.
A China dos anos 60 está viva nos Estados Unidos de 2021 – ou melhor, e mais precisamente, nas alturas da elite intelectual de Nova York. É verdade que, na China de Mao, a “confissão espontânea” do inimigo do povo era conseguida com tortura brava; hoje, na “Grande Revolução Cultural Americana”, ninguém precisa levar choque elétrico para assinar a sua “autocrítica sincera”. Em compensação, não existe volta para o condenado na Nova York de hoje – o sujeito perde seu emprego para sempre, por mais desculpas que peça, e fica banido do mercado de trabalho.
Acaba de acontecer, mais uma vez. Um jornalista do New York Times, com 45 anos de casa, foi demitido (com autocrítica e tudo) por ter dado a impressão, não mais que isso, de ter feito uma observação que talvez pudesse ser interpretada como racista.
Não foi nada que ela tenha escrito no jornal; foi algo que falou numa palestra. Não foi agora; foi em 2019. E não dá para entender, realmente, qual a ofensa de caráter racial que ele poderia ter feito. Uma ouvinte perguntou se uma de suas colegas, que tinha dito uma frase racista – aos 12 anos de idade – deveria ser punida pelo que fez. O repórter, ao tentar responder à pergunta, acabou repetindo a tal frase. Fim de linha. O Comitê Central que manda no New York Times, em obediência ao “coletivo” da redação, achou que ele tinha cometido, também ele, crime de racismo – junto com a menina de 12 anos. Olho da rua, para sempre, sem possibilidade de reformar-se num campo de “reeducação”.
O que mais chama atenção, na história toda, não é a punição – afinal, cassar o emprego de quem ofende, por qualquer razão que seja, as sensibilidades dos militantes da virtude racial (e de todos os demais gêneros), é a punição preferida da “Grande Revolução Cultural Americana”.
Estranho, mesmo, é o pedido de desculpas feito em público pelo jornalista demitido. Ele acusa a si próprio por seu grave delito, mas não consegue explicar no texto qual foi, exatamente, o delito que praticou, nem porque merece a punição que recebeu, nem a ofensa que fez aos colegas de redação. Se o homem não foi posto no pau de arara, por que a confissão? Deve ter tido as suas razões – o que mostra para onde está indo o pensamento único nas classes intelectuais americanas.
J R. Guzzo - Jornalista
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