sexta-feira, 24 de julho de 2020

Jornalista demitida da Globo faz denúncia gravíssima de assédio

A jornalista Ellen Ferreira ficou 20 dias afastada da Rede Amazônica, afiliada da TV Globo em Roraima, por contrair o novo coronavírus.
Ao retornar (ontem), ela foi surpreendida com a notícia de sua demissão sob a alegação de reestruturações na empresa, mas coincidentemente, ou não, a profissional havia denunciado seu ex-chefe por assédio moral e sexual há pouco tempo.
Ellen Ferreira, que apresentou o “Jornal Nacional”, em outubro do ano passado – durante um rodízio de jornalistas – não se convenceu com a justificativa apresentada pela afiliada da Globo e disse que está sendo vítima de perseguição por ter denunciado o ex-chefe de jornalismo da Rede Amazônica, Edison Castro, por assédio moral e sexual.
“Óbvio que o que aconteceu foi uma perseguição. Eu estava havia uns três meses, junto com outros funcionários, levando para o Sindicato dos Jornalistas do estado e para o Ministério Público do Trabalho situações graves de assédio sexual e moral que enfrentamos lá dentro. Situações vexatórias, de racismo, homofobia, gordofobia. Ele é um psicopata”, afirmou a jornalista.
De acordo com Ellen, o comportamento de Edison não era novidade.
“Teve uma apresentadora em Tocantins que tentou se matar pelo assédio que sofreu. Ele obrigava uma outra funcionária a tomar remédios tarja preta, porque ela era gorda. Ele não era profissional. Tinha gente que queria bater nele na rua! Resolvemos ir atrás dos nossos direitos”, explicou.
Ela narra que a afiliada da Globo em Roraima não lhe ofereceu nenhum tipo de suporte.
Sem saída, Ellen procurou Ali Kamel, diretor geral de jornalismo da TV Globo, para denunciar os casos, mas a demissão do ex-chefe só aconteceu após o caso ser evidenciado ao Ministério Público do Trabalho e no Sindicato dos Jornalistas.
Em nota, a TV Globo se manifestou e repudiou o caso:
“As afiliadas da Globo comungam dos mesmos princípios editoriais, mas são empresas independentes. O diretor de jornalismo da Globo, Ali Kamel, ao receber e-mail da jornalista Ellen Ferreira, entrou imediatamente em contato com o setor de afiliadas para que a queixa fosse transmitida à Rede Amazônica. A Globo reitera que o respeito é um valor fundamental do seu Código de Ética. A empresa repudia qualquer tipo de assédio ou preconceito, que não são tolerados no ambiente de trabalho em nenhuma hipótese. Os esclarecimentos sobre o que ocorreu depois devem ser dados pela afiliada”.
A jornalista não imaginava que iria perder seu emprego:
“Ainda estou muito magoada. Não sei quais os próximos passos que vou dar. A realidade é que hoje estou desempregada. Eu sou renda dos meus pais e dos meus irmãos. Como vai ser daqui para a frente? Não quero nunca mais olhar para ele (Edison). Quando falo dele, ainda tremo. Ele acabou com a minha carreira”, desabafou.
“Assédio é grave, as pessoas não podem se calar. Precisava lutar por mim. Minha autoestima e vontade de viver estavam acabando. A Globo achou que eu era um peso, mas eu faria tudo de novo. Como alguém tão doente é líder do jornalismo? Só queríamos que ele saísse para sentir paz. Seguir adiante com essas denúncias é um caso a se pensar”, afirmou.
Dossiê
Em entrevista ao jornalista Leo Dias, Ellen Ferreira deu detalhes da conduta de Edson Castro:
“Ele debochava de um repórter que era gay. Chamou o cabelo de uma repórter negra de ‘moita feia’. Ele dizia que eu era repugnante, gorda, que me vestia mal. Me ameaçava de demissão constantemente. A fama dele era de ‘João de Deus da redação’”, comentou.
Foi com a ajuda de outros funcionários atingidos pela má conduta de Edison, que um dossiê foi articulado e encaminhado ao Sindicato dos Jornalistas de Roraima.
Para a jornalista, ela foi demitida porque o ex-chefe manteve influência na afiliada da Globo em Roraima, mesmo após ter sido demitido:
“Meu sonho foi interrompido. Eu estava escalada para apresentar o ‘Jornal Nacional’ mais duas vezes esse ano, mas foi adiado por conta da pandemia. Agora, estou demitida”, lamentou.
Abaixo a íntegra do relato que Ellen enviou à Globo:
“Essa mensagem é um desabafo. Apenas um breve relato do que a praça de Roraima tem vivido. Eu ainda estou de luto em família. Estamos no limite com a situação de coronavírus e estamos trabalhando com muita garra diante de um fade grande, no meu caso, de 1h20 minutos.
Com tantas coisas acontecendo, o Edison, chefe de Roraima, ameaça, cria briga entre funcionários, deturpa as coisas e situações e estamos exaustos de tanta pressão psicológica. Ele repete que vai me demitir (também ameaça a outras pessoas) e, no meu plantão de sábado passado, repetiu todo tempo que ia me demitir e que minha situação ‘estava complicada’. Não sou de faltar, cumpro minhas obrigações, produzo, apresento, faço reportagens, e nunca me vi como agora com pavor e mandando mensagens de ajuda. E me sinto sozinha e oprimida.
Se ouvissem os funcionários, mas não nos ouvem, saberiam que estamos no limite. Reforço que estamos dando o nosso máximo na cobertura jornalística. Mas viver com medo e sensação de que vamos perder emprego é algo sufocante e ruim.
Ele faz fofocas, intrigas, joga um contra o outro. Estou esgotada. Quando ele chegou a Roraima, pensávamos que seria uma nova era e estamos frustrados com tanta humilhação. Comigo fez uma fofoca e sou a bola da vez, onde me trata um dia bem, outro não, vira a cara e faz ameaças. Para os chefes maiores, é o cara, lúcido, visionário e persuasivo. Pra nós, meros funcionários, perseguidor, e eu estou à base de remédios.
De fato, ele entende de TV. Mas com as pessoas tem criado clima insustentável e não podemos falar, fazer nada, porque somos oprimidos. Ele afirma às pessoas: ‘A empresa tá do meu lado’, e a gente engole seco. Quando me deu aumento de 500 reais, fiquei feliz demais, mas repetidas vezes jogou na minha cara o aumento e pensei em ir no RH pra voltar meu salário antigo.
Ele reverte tudo. Ele faz uma artimanha de humilhar, bater na pessoa e, no dia seguinte, dar flores, elogiar. Isso é desgastante. Doentio. É acusado de assédio sexual também, a moça levou pro RH de Manaus, mas acabou desistindo por medo dele. E eu só quero trabalhar em paz, sem pressão e humilhação, assim como os funcionários desta emissora que vivem com medo.
Na quinta-feira, durante uma entrevista pela internet, ele que cria situações pra me desestabilizar no ‘JRR1’, mandou eu repetir o sobrenome do entrevistado que eu tinha dito certo. Pois ele atrapalhou duas vezes a minha entrevista indo ao estúdio dizer que quem manda é ele.
Eu apresentei por 1h20 querendo chorar. Angustiada e pedindo força pra Deus. Quem vê, não mexe, porque ele disse que a empresa está do lado dele. Por fim, pedi ajuda de Manaus, daqui de Roraima, e só me sugeriram demissão. E segunda-feira eu terei a resposta. Jamais imaginei enfrentar tudo isso e me sentir só, mesmo sabendo que não sou errada e estou sendo assediada, mas não tenho voz. Estou em pânico. Não sei mais o que fazer. Obrigada”.

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