terça-feira, 11 de agosto de 2020

Estudante de 16 anos: “Parou tudo por causa desse negócio de coronavírus e eu voltei a trabalhar na boca”

A volta às aulas pode esperar a vacina?

Tenho visto muitas pessoas defendendo que a volta às aulas só deve acontecer quando houver vacina.
Fico pensando se essas pessoas estão levando em consideração o fato de que, enquanto os estudantes de escolas privadas estão tendo aulas on line e ensino à distância com alguma (ou muita, em alguns casos) qualidade, a imensa maioria dos alunos de escolas públicas não está tendo NENHUMA aula, nenhum conteúdo pedagógico desde março.
E cientistas do mundo inteiro já alertam para a possibilidade de não haver vacina. Nem ano que vem. Nem NUNCA, dada a sofisticação do vírus.
Lembro de quando surgiu a AIDS, nos anos 80. Vira e mexe vinha a notícia dos jornais, “cientistas estão perto de desenvolver a vacina anti HIV”. Mais de 30 anos depois, não aconteceu. Talvez não aconteça nunca …
Enquanto isso, voltando à vida dos estudantes, já é consenso que ninguém será reprovado este ano. E isso é bom? Para o aluno de escola particular que está recebendo conteúdo e se virando como pode no homeschooling, OK.
Mas vamos pensar no aluno pobre, negro, morador de comunidade. Aluno de escola pública. Esse estudante teve duas semanas de aula este ano. Vai encerrar o ano letivo sem ter recebido nenhum conteúdo e vai ser aprovado?
E ano que vem, se não tivermos vacina daqui a um ano, vai ser aprovado de novo? Sem nenhuma aula? Sem nenhum material? Vai passar pelo 5o, 6o, 7o ano e ser aprovado, sem ter recebido nada? Isso é bom? Para quem?
O abismo da desigualdade entre alunos de escolas públicas e privadas, que já é atroz, só irá se agravar ainda mais.
Enquanto se defende que é preciso proteger a vida em primeiro lugar, eu lembro que a mãe desse menino continua trabalhando de camelô no centro da cidade, ou de caixa do supermercado e da farmácia onde vocês, que querem esperar pela vacina, fazem suas compras, e o pai e o irmão dele entregam IFood na sua porta, para que vocês possam ficar em casa. Isso sem contar que baile funk, lava jato e boca de fumo não entraram na quarentena nas comunidades.
Por fim, mas talvez ainda mais importante, precisamos dar atenção à saúde mental dos estudantes. Todos precisam retomar a convivência com seus pares. Se o isolamento social é doloroso para nós, adultos, é letal para crianças e adolescentes, estes últimos para quem o pertencimento ao grupo é uma necessidade básica, como comer ou dormir.
Não é por acaso que os números de depressão e suicídio entre adolescentes dispararam nos últimos meses.
Há algum sentido em esperar a vacina em cidades onde, por exemplo, não houver nenhuma morte por COVID no período de 30 dias? Pagando-se esse preço?
Fico pensando se houvesse redes sociais nos anos 80. Ia ter gente defendendo só voltar a fazer sexo quando viesse a vacina contra a AIDS…
*EDIT* Lembrei de um caso emblemático que chegou esta semana. Adolescente de 16 anos. Terceira passagem por tráfico:
“Você cumpriu sua medida anterior? Estava estudando?”
E a resposta dele:
“Estava cumprindo sim, e estava indo à escola. Mas aí parou tudo por causa desse negócio de corona vírus e eu voltei a trabalhar na boca”. Vida real, parça.

Nenhum comentário: