A imprensa funerária já sonha com o aparecimento de outro vírus chinês
Os editores da primeira página dos maiores jornais brasileiros foram confrontados com a inesperada pedra no caminho: faltavam más notícias sobre a Covid-19 para a manchete do dia seguinte. Havia um punhado de informações animadoras, mas o primeiro mandamento do jornalismo funerário adverte: é proibida a entrada no espaço mais nobre da edição de qualquer fato vinculado à pandemia de coronavírus que possa prejudicar a ampliação da epidemia de medo.
Em São Paulo, por exemplo, as curvas desenhadas pelos registros de casos confirmados e óbitos atestavam que o pior já passou. O número de mortes por Covid-19 sofrera outra queda consistente. A quantidade de novos infectados se tornara muito menos preocupante que a alcançada nas semanas em que São Paulo figurou no mapa da pandemia como o mais aflitivo epicentro. E, ao contrário do que se temia, o abrandamento das restrições impostas pelo isolamento social não estimulara a expansão do coronavirus. Em todas as regiões paulistas, a taxa de ocupação de leitos de UTI permanecia abaixo de 80%.
Os editores certamente interrogaram os repórteres designados para a cobertura do desastre sanitário: e no resto do país, nada de alarmante? Lamentavelmente para a turma da primeira página, a resposta foi negativa. Em qualquer país do mundo, teria virado manchete a notícia alentadora vinda de Campo Grande: em todo o mês de junho, ocorrera uma única morte por covid-19 na capital de Mato Grosso do Sul. Mas uma coisa dessas é boa demais para conseguir alguns centímetros de atenção dos especialistas em terrorismo jornalístico.
Foi por isso que as edições da última quarta-feira baniram da primeira página notícias sobre os estragos sanitários causados pelo coronavírus. Os editores tiveram de conformar-se com danos infligidos à economia. É compreensível que muitos jornalistas e políticos estejam torcendo pela chamada "segunda onda". Ou sonhando com o aparecimento de outro vírus chinês.
Augusto Nunes - Jornalista
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