A análise de indicadores criminais vem se popularizando bastante no Brasil ao longo dos últimos anos, o que é absolutamente natural em um contexto social no qual a preocupação com segurança ocupa lugar de destaque no cotidiano do indivíduo comum.
São “mapas”, “atlas”, “anuários” e “monitores” da violência que se sucedem em edições periódicas, não raro com abordagens que, para além da indicação de dados objetivos, formam um contexto narrativo que não disfarça raízes e propósitos ideológicos. A par de tais repositórios, todavia, a fonte primária de análise desses indicadores tem sido muito mais reveladora para pesquisas de segmentação isentas.
Pouco prestigiado entre entidades ligadas ao progressismo de segurança pública, mesmo lhes servindo de base, o DATASUS, pelo Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), concentra todos os dados oficiais de mortalidade no Brasil desde 1980, com detalhamento acerca de causas e meios. E, de acordo com os dados preliminares recentemente disponibilizados – e que antecedem a consolidação definitiva com habitual variação mínima -, o ano de 2019 registrou a maior queda histórica nos homicídios no país, especialmente os cometidos com arma de fogo.
Entre 2017 e 2018, o banco de dados oficial já havia apontado uma queda no total de homicídios da ordem de 12,29% (63.748 X 55.914), com destaque para aqueles em que empregadas armas de fogo, que caíram mais do que o total de mortes intencionais (13,33%). Agora, com os dados de 2019 incluídos no sistema, ainda que em versão preliminar, a queda se revelou substancialmente maior.
Em comparação aos números de 2018, que já apresentavam a queda mais acentuada até então computada, os dados de 2019 revelam um decréscimo substancialmente maior, de quase o dobro percentual.
Se, em 2018, já se podia ter ânimo com a redução de 7.834 registros homicidas, em 2019 foram expressivas 12.852 ocorrências de violência letal a menos. Em percentual, o maior número já registrado em quarenta anos, ou seja, em toda a série de registros: 22,99% menos mortes.
Para além disso, se o total de homicídios já indicava redução substancial, o uso de armas de fogo nesses crimes foi ainda mais emblemático.
Haviam sido 41.179 registros de mortes intencionais com emprego de arma de fogo em 2018 (repise-se, 13,33% menos do que em 2017) e, em 2019, os registros caíram para 30.206, isto é, uma queda de 26,65%, o dobro da havida no ano anterior. Para se ter uma ideia, é o menor número desde 1999, quando foram computados 26.902 assassinatos com arma de fogo.
Apesar da inegável positividade desses dados, é possível que, lamentavelmente, a eles não se dê tanta ênfase. Não que se possa afirmar que as entidades e pesquisadores dos periódicos da violência não percebam que os homicídios foram muito reduzidos, mas por conta de um detalhe que confronta a narrativa que há muito constroem. Junto com as reduções recordes de homicídios, especialmente os com arma de fogo, houve o igual registro de recordes na compra destas pelo cidadão brasileiro.
Em 2018, haviam sido vendidas, no total, 196.733 armas no país, o que representou 42,4% a mais em relação a 2017 (138.132). Destas, 35.758 para pessoas físicas comuns – excluindo policiais, agentes de segurança, colecionadores, atiradores e caçadores (CAC). O número foi 8% maior do que em 2017 (33.109). Já em 2019, mesmo sem computar o mês de dezembro, tais registros somaram 44.181, já com 24% de aumento.
São, portanto, dois anos de uma série consolidada de recordes inversos: drástica queda de homicídios, sobretudo aqueles com uso de arma de fogo, e substancial elevação na venda destas armas.
E é exatamente isso que pode comprometer a ênfase nos números, tendo em vista que, mais uma vez, a máxima que vem regendo a abordagem do tema ao longo de quase duas décadas é empiricamente desconstituída. Afinal, novamente a relação entre armas legalmente postas em circulação e quantidade de homicídios se revelou inversamente proporcional.
Fabricio Rebelo - Jurista, pesquisador na área de segurança pública, autor de "Articulando em Segurança: Contrapontos ao Desarmamento Civil" e coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança - CEPEDES.
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