O governador João Doria parece acreditar que nenhum paulista deve sentir-se de bem com a vida antes da chegada da vacina contra o coronavírus. Pensem nos mortos, repete o governador a cada manifestação de contentamento. Até agora, existiu apenas o Dia de Finados. O primeiro Ano de Finados seria 2020.
O número de óbitos diminuiu, alegra-se alguém. Pensem nos mortos, replica Doria. O volume de infectados caiu drasticamente? Pensem nos mortos. Cresceu exponencialmente a multidão de recuperados? Pensem nos mortos. O que resta do ano ameaça tornar-se o mais extenso velório da história.
"Não há nada a comemorar", reiterou João Doria ao justificar o cancelamento da Virada Cultural, do réveillon da Paulista, dos desfiles de escolas de samba e blocos carnavalescos. A suspensão dessas festas é compreensível: é cedo para aglomerações desse porte. O que não faz sentido é confundir medidas sanitárias sensatas com atos fúnebres.
Ao fim da gripe espanhola sobreveio uma onda planetária de euforia mundial que arrastou para bailes populares os sobreviventes que nunca esqueceram seus mortos. Como reagiria ao decreto do luto eterno o grande Winston Churchill, que liderou a resistência da Grã-Bretanha à sufocante ofensiva nazista? Com uma estrepitosa gargalhada, certamente.
Churchill dividiu com o povo inglês todas as dores causadas por derrotas — que, aliás, nunca procurou esconder dos governados. Mas também celebrou com esfuziante alegria as vitórias que alteraram os rumos da guerra. Churchill nunca deixou de chorar os mortos. Mas sempre soube que a vida vale a pena e a dor de ser vivida.
Augusto Nunes - Jornalista
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