quinta-feira, 22 de abril de 2021

‘STF virou o maior partido de oposição ao governo Bolsonaro’

Jurista Ives Gandra afirmou que decisão da Corte "têm trazido enorme insegurança jurídica"

Em entrevista ao jornal Gazeta do Povo, o jurista Ives Gandra Martins comentou a situação atual do Supremo Tribunal Federal (STF). Para ele a Corte “se transformou no maior partido de oposição ao governo Bolsonaro”.
O jurista falou sobre a situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no STF e a anulação das condenações pelos ministros. Ele considerou: “Tem-se a impressão de que o poder Judiciário se tornou um poder contrário [ao combate] à corrupção no Brasil. Favorável àqueles que são contrários [ao combate] à corrupção no Brasil. Porque se fala em punição do [ex] juiz Sérgio Moro”.
Ives Gandra ainda afirmou: “O Supremo tem intervindo, entrado, feito intervenções no poder Legislativo e no Poder Executivo, ao meu ver, invadindo competências de atribuições de outros poderes, e faz com que, ultimamente, as decisões têm trazido enorme insegurança jurídica”.
Leia o que disse o jurista:
Eu tenho a impressão, nesse momento, apesar do elevado nível de conhecimento e de idoneidade moral de todos os 11 ministros do Supremo, que o Supremo se transformou no maior partido de oposição ao governo Bolsonaro. Por quê? Porque a todos os momentos em que a oposição perde qualquer votação no Congresso, corre para o Supremo. E o Supremo tem intervindo, entrado, feito intervenções no poder Legislativo e no Poder Executivo, ao meu ver, invadindo competências de atribuições de outros poderes, e faz com que, ultimamente, as decisões têm trazido enorme insegurança jurídica.
Essa decisão concreta, nós tivemos um juiz que examinou exclusivamente provas, que foi o juiz Sérgio Moro, para condenar o [ex-]presidente Lula. Não entro a discutir valores, juízo de valor, do [ex-]presidente Lula. Quero analisar exclusivamente o processo. Por estar em férias, eu li aquela sentença de 200 e poucas páginas. Uma sentença que examina exclusivamente fatos e condena a base de fatos. O argumento da incompetência do foro já fora alegado naquele momento e reiterado junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que, também, decidiu não aceitar a incompetência de foro, eliminou a preliminar, afastou a preliminar, e aumentou a condenação exclusivamente à base dos fatos que lá estavam. Isso foi para o STJ. Os mesmos argumentos da incompetência de foro. E o STJ decidiu que não havia incompetência de foro e que ele foi condenado à base exclusivamente das provas que lá estavam. Isso foi para o Supremo Tribunal Federal, e o Supremo Tribunal Federal não aceitou a incompetência de foro e declarou que o presidente, evidentemente, teria que ser condenado em decorrência daquelas provas
Eu, pessoalmente, ao ler aquilo que, legalmente, foi hackeado em relação às conversas, e num livro que escrevi com diversos constitucionalistas e penalistas, inclusive presidentes do Conselho Federal da Ordem, de Conselhos Estaduais, professores titulares de universidades de muito respeito no país, coordenado por mim e pelo presidente da Ordem de São Paulo à época, intitulado A importância do direito de Defesa [para a Democracia e a Cidadania, de 2017], fiz considerações mostrando que o [ex-]juiz Sérgio Moro tinha, efetivamente, tratado com tapete vermelho o Ministério Público. E tratado sem muita, não diria consideração, mas sem nenhum tratamento especial à advocacia. Mas, embora tenha tratado muito melhor o Ministério Público do que a advocacia, o [ex-]juiz Sérgio Moro não cerceou em nenhum momento a defesa dos advogados do [ex-]presidente Lula.
E, ao decidir sobre fatos, houve até aumento da pena de condenação por parte do TRF da 4ª Região. O que vale dizer, o Supremo, depois de ter tomado [decisão anterior], depois de 15 ministros, 15 magistrados, ministros alguns das duas Supremas Cortes de direito e a Suprema Corte constitucional, muda, agora, a jurisprudência, baseado no fato do presidente Lula ter alegado, mais uma vez, a incompetência do Foro.
E o Ministro [Edson] Fachin, que, em outros 10 casos, como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, ter considerado que o foro era normal, neste caso concreto, por ser o [ex-]presidente Lula, conhecido no Brasil e no mundo, não sei se fosse qualquer outro o condenado, se o Supremo mudaria a jurisprudência, houve mudança de jurisprudência.
Trazendo, portanto, para o povo, que não conhece o Direito, evidentemente que todos os ministros são competentes e idôneos apresentaram seus argumentos. Mas, para o povo, que não conhece, enfim, a possibilidade das interpretações mais elásticas do direito, é que o Supremo se tornou contrário à Lava Jato. Se tornou favorável à corrupção, porque o que se discutiu lá foi uma incompetência de foro que vai tornar quase todos aqueles crimes prescritos, na medida em que a condenação é feita para diversos crimes acumulados. Cada um deles com um tempo, uma pena determinada e, evidente, para cada uma dessas penas, haveria o dobro da pena.
O que vale dizer, a prescrição para recomeçar tudo de novo, com todos os depoimentos, com todas as possibilidades que a defesa tem, utilização eventual de quatro instâncias, nós corremos o risco de termos a prescrição de todos esses processos. E mais, todos aqueles que foram condenados por estarem indiretamente ligados aos escândalos da Petrobras, de terem direto ou indiretamente autorizado que aqueles que fizessem se beneficiado, como, aliás, no processo se mostra em relação ao presidente Lula, que, na campanha, o dinheiro foi utilizado para a campanha do seu partido e isto está provado dentro do processo que, efetivamente, poderão, a essa altura, alegando o mesmo, encerrar, praticamente, as suas condenações por prescrição, porque recomeçará tudo de novo através da decisão da Suprema Corte.
Em outras palavras, para o mundo, tem-se a impressão de que o poder Judiciário se tornou um poder contrário [ao combate] à corrupção no Brasil. Favorável àqueles que são contrários [ao combate] à corrupção no Brasil. Porque se fala em punição do [ex] juiz Sérgio Moro.
E que aqueles que, enfim, foram condenados por corrupção, e não estou entrando em juízo de valor, apenas dizendo o que está nos processos da condenação, podem sair livremente. Que toda a Operação da Lava Jato, que trouxe esperança ao povo brasileiro de que a corrupção no poder público seria duramente atacada, passou a ser uma espécie de “Sonhos de uma noite de verão”. O Brasil voltou a ser exatamente o que era. De tal maneira que a Suprema Corte, para o povo em geral, decidiu primeiro de uma forma e, agora, decidiu de outra forma. No mesmo caso, em função do réu, que fosse qualquer outro réu, duvido que tivesse esse tratamento. Isso trouxe uma insegurança jurídica muito grande.
E a mim, que sou um velho professor de Direito, e um grande admirador dos 11 ministros do Supremo, mesmo não conhecendo o ministro Kássio [Nunes Marques], os outros dez eu conheço perfeitamente e tenho livros publicados com sete deles, e respeito e sei que são ministros e grandes juristas, mas, para mim, é com muito desconforto que sinto que eles estão trazendo uma profunda insegurança jurídica no país. E que, a partir de agora, fora a impressão que dão ao povo, de que a corrupção não vai mais ser combatida no Brasil, porque nós temos todos esses que foram combatidos com a possibilidade de atrasarem o processo até gerar a prescrição, que, efetivamente, nós voltamos a ser o que éramos.
Vale dizer: inútil o povo ter esperança de que entraremos em um novo mundo, num mundo em que os políticos estão para servir o povo, e não a serviço do povo”.

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