Convivi muito com os militares brasileiros nos anos 90 e no começo da década seguinte, fazendo conferências e trabalhando na produção do livro da Biblioteca do Exército, “O Exército na História do Brasil”, e sabia mais ou menos o que eles pensavam. Mas, perdido todo o contato com eles uma década e meia atrás, não me aventurei mais a examinar o “pensamento militar”. No entanto, agora, um professor da Universidade Federal de São Carlos, Piero de Camargo Leirner, numa entrevista interessantíssima, fornece alguns dados que permitem especular um pouco sobre o que os homens de farda enxergam, pensam e planejam. Segundo esse arguto observador, a alta oficialidade militar pensa usar o presidente Bolsonaro como estopim para que, uma vez eclodida a crise geral, as Forças Armadas possam entrar em ação e empreender uma reforma total do “sistema brasileiro”.
Basta um pouquinho só de memória histórica para lembrar que isso foi o exatamente o que fizeram em 1964. Chamados pelo povo a derrubar um presidente corrupto e promover novas eleições, acharam que seu dever não era resolver um problema pontual e voltar aos quartéis, mas “tomar o poder” e, dominando desde cima toda a situação, reformar o Brasil de alto a baixo segundo os valores e esperanças do seu grupo. Fizeram muita coisa, especialmente no campo da economia e das obras públicas, mas, decorridos vinte anos desse governo tecnocrático e centralizador, tiveram de entregar o poder aos comunistas e seus parceiros, que voltavam do exílio na condição de única força política que havia sobrevivido à total ocupação do espaço pelos militares e pelos técnicos a serviço deles.
Agora, segundo o professor Leirner, o plano é mais ou menos o mesmo. A longa omissão dos generais diante da destruição do país pelos comunistas encobria a discreta elaboração de um novo plano de reforma tecnocrática da nação. É óbvio que, quando essa tomada do poder pelos militares acontecer, o povo respirará aliviado, talvez, ao ver-se livre do domínio comunolarápio, mas é claro que com esse plano, os militares mostram ainda ser estritamente fiéis à concepção positivista que é a sua desde último quarto do século XIX. Também é claro que a centralização tecnocrática não pode, EM HIPÓTESE ALGUMA, criar ou fortalecer uma democracia e muito menos educar o povo para a prática democrática.
O Brasil parece ser mesmo – para usar a expressão de Drummond – “um sistema de erros”.
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