Entre um elogio ao que fez na Presidência e um puxão de orelhas em algum devoto, Lula voltou a comparar-se ao presidente Juscelino Kubitschek. JK foi o que o brasileiro gostaria de ser. O presidente Lula é o que a maioria dos brasileiros é. Incapaz de folhear biografias, sem paciência nem disposição para estudar a História do Brasil, Lula não faz ideia de quem foi o antecessor. Mas gosta de comparar-se a JK. No começo, apresentava-o como exemplo a seguir. Logo passou a achar-se bem superior ao criador de Brasília.
Sedutor, inventivo, culto, cosmopolita, generoso, amante do convívio dos contrários, Juscelino não gostaria de ser comparado a um chefe de governo falastrão, gabola, provinciano, que odeia leituras, inclemente com adversários, a quem culpa por tudo, e misericordioso com bandidos de estimação, a quem tudo perdoa. Ambos nasceram em famílias pobres, ultrapassaram as fronteiras impostas ao gueto dos humildes e alcançaram o coração do poder.
Esse traço comum se destaca na diminuta lista de semelhanças. Bem mais extensa é a relação das diferenças, todas profundas, algumas abissais. O pernambucano de Garanhuns, por exemplo, é apenas um político: só pensa nas próximas eleições. O mineiro de Diamantina foi um genuíno estadista: pensava nas próximas gerações.
Lula ama ser presidente, mas seria irretocavelmente feliz se pudesse presidir o país sem administrá-lo. Bom de conversa e ruim de serviço, detesta reuniões de trabalho ou audiências com ministros das áreas técnicas e escapa sempre que pode do tedioso expediente no Palácio do Planalto. JK amava exercer a Presidência, administrava o país com volúpia e paixão ─ e a chama dos visionários lhe incendiava o olhar ao contemplar canteiros de obras que Lula visita para falatórios eleitoreiros. Lula só trata com prazer de política. JK tratava também de política com prazer.
O país primitivo dos anos 50 pareceu moderno já no dia da posse de JK. Cinco anos depois, ficara mesmo. O otimista incontrolável inventou Brasília, rasgou estradas onde nem trilhas havia, implantou a indústria automobilística, antecipou o futuro. Cometeu erros, claro. Compôs parcerias condenáveis, fechou os olhos à cupidez das empreiteiras, não enxergou o dragão inflacionário. Mas o conjunto da obra é amplamente favorável. Com JK, o Brasil viveu a Era da Esperança.
O país moderno que virou o milênio pareceu primitivo no momento em que Lula ganhou a eleição. Oito anos depois, ficou mesmo. Mas Lula estava bem no retrato, reiteraram os institutos de pesquisa. Fazia sentido. Primeiro, porque milhões de brasileiros inscritos no Bolsa-Família estavam gratos à esperteza que os reduziu a dependentes da esmola federal. Depois, e sobretudo, porque o advento da Era da Mediocridade tornou o país mais jeca, mais brega, menos exigente, menos altivo.
Nos anos 50, o governo e a oposição eram conduzidos pelos melhores e mais brilhantes. O povo que sabia sonhar soube também escolher melhor. Mereceu um presidente como JK. No Brasil de Lula, mandaram os medíocres. O grande rebanho de devotos teve o pastor que mereceu. E continua merecendo.
Augusto Nunes - Jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário