terça-feira, 27 de outubro de 2020

O dilema do eleitor: escolher entre o ruim e o péssimo ✰ Artigo de J. R. Guzzo

O que temos, nesse curioso processo de aprendizado em que se aprende cada vez menos a cada quatro anos, 
é a costumeira aglomeração de casos perdidos

Mais uns dias e eis as cidades do Brasil de volta ao mesmo lugar de quatro anos atrás e numa situação provavelmente pior. São as eleições municipais, outra vez. Já estamos a caminho de umas dez eleições dessas, uma depois da outra, desde que foi aprovada a Constituição Cidadã de 1988 – essa que nos trouxe a democracia, criou as “instituições” e iluminou o sistema solar com seus 250 artigos, suas mais de 100 emendas e as regras que produzem os políticos com essa extraordinária qualidade que todos conhecem.
Nossas “instituições” nos dão agora mais uma chance de votar neles, desta vez para cerca de 5.500 prefeitos e não longe de 60 mil vereadores. A desgraça é que em vez de melhorarem (pelo menos um pouco) a cada eleição, como preveem os melhores manuais de ciência política, os candidatos brasileiros só pioram. Ou seja: está dando errado.
Faça um teste prático, sobretudo se você vive numa capital ou em cidades de 200 mil habitantes para cima: quem se lembra, sinceramente, de um bando de candidatos piores do que estes nas eleições em que já votou? O que temos aí, tirando as poucas exceções de sempre, são três tipos de gente pedindo o seu voto: os ladrões, os incompetentes e os que são as duas coisas ao mesmo tempo. O resultado é que o eleitor estará, mais uma vez, diante da necessidade de votar no ruim para não votar no péssimo. Resta a tentativa de encontrar uma das exceções – trabalho que consome tempo e na maioria das vezes é mal sucedido.
O que temos, nesse curioso processo de aprendizado em que se aprende cada vez menos a cada quatro anos, é a costumeira aglomeração de casos perdidos. São políticos bichados, que não podem melhorar nunca. É gente que já teve chance de ir ao governo e não fez nada. São os perdedores natos. São os estreantes que, vendo um nível tão baixo nos candidatos, acham que também eles podem tentar a sua boquinha – por que não? São as nulidades absolutas, os aventureiros e as anomalias de circo: “votem na Monga, a mulher-gorila”, “votem no bezerro de duas cabeças”, etc, etc. Em suma: é o mais agressivo desfile de vigaristas que o Brasil tem a oferecer no momento.
Isso tem cura, e nem é uma cura complicada – a única complicação é que os sócios-proprietários das “instituições” brasileiras preferem encarar um enfarte maciço das coronárias a aplicar uma dose mínima do remédio disponível para melhorar o mecanismo eleitoral que escolhe os nossos governantes, de vereador a presidente da República. É natural: as regras que estão aí foram escritas por eles mesmos com o único propósito de beneficiar a si próprios. Por que raios iriam mudar isso?
A qualidade das eleições – e dos homens públicos que saem delas para o governo – só vai ficar melhor se acabarem, no mesmo minuto, o voto obrigatório, a propaganda eleitoral “gratuita” no rádio e tevê, e as verbas dos fundos partidários que são extorquidas a cada ano da população – e que atraem todo tipo de marginal para a vida pública.
O veneno está aí – e não dá para melhorar nada, em 30 ou em 300 anos, enquanto o processo eleitoral estiver envenenado de “A” a “Z” como está hoje. É preciso acabar com os suplentes. É preciso acabar com o foro privilegiado. É preciso acabar com a Justiça Eleitoral, aberração que não existe em nenhuma democracia do mundo, não melhorou em um miligrama a qualidade da política brasileira desde 1988 e só serve para gastar, com o seu “superior” tribunal em Brasília, seus 27 tribunais regionais e o resto da geringonça, R$ 20 milhões de dinheiro público por dia. E com uma cereja no bolo: a Justiça Eleitoral é capaz de gastar mais nos anos em que não há eleições.
Enquanto não jogarem tudo isso no lixo, vamos continuar obrigados a escutar as lições de moral e cívica do ministro Luis Roberto Barroso e a votar na mulher-gorila.
J. R. Guzzo - Jornalista

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