Acaba o auxílio emergencial, mas começa a campanha emocionante do Ricardo Barros pelo plebiscito — e emoção é alimento espiritual
O Brasil está com a vida ganha, não tem nada pra fazer amanhã e então resolveu discutir uma Constituição nova. A ideia genial teve como porta-voz ninguém menos que o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros. Temendo que isso não fosse suficiente para salvar os brasileiros do tédio, o deputado caprichou na emoção: ele quer um plebiscito.
Brasil, seus problemas acabaram. Essa sensação de estar de barriga cheia numa tarde modorrenta de domingo terminou. Ricardo Barros veio te tirar da zona de conforto — esse lugar perigoso que ameaça a todos os que, como o Brasil, estão com o boi na sombra e o motorista na porta esperando a ordem para levá-lo ao shopping. Chega disso. Com a campanha do plebiscito para uma nova assembleia constituinte você vai voltar a ver aquele desfile exuberante de almas penadas — Lula, Ciro Gomes, Requião, Dirceu, sindicalistas gulosos e subcelebridades sedentas — explicando como vão mudar tudo que está escrito para salvar você do Mal.
De fato, um país atropelado por uma pandemia que ressuscitou todos os picaretas e sabotadores associados precisa sair da zona de conforto. Essas quarentenas vips são mesmo confortáveis demais. Estava na hora de uma sacudida. Essa dívida de quase R$ 1 trilhão distribuído para a população não morrer de fome a gente vê depois. Isso aí se resolve com um pouco de empatia e duas laives da Anitta. O importante agora é fazer uma assembleia constituinte para dar chance a essa gente sofrida do lobby parasitário que ainda não conseguiu brilhar na Era Rodrigo Maia.
Tem também essa questão de decidir o que os pobres vão comer em janeiro, quando acabar o auxílio emergencial. Mas isso é ansiedade pequeno-burguesa. Hoje em dia há uma clara supervalorização desse negócio de comer. Só pode ser efeito colateral daquele fenômeno das varandas gourmet. De repente ficou todo mundo ligado demais em comida. Não é por aí. Acaba o auxílio emergencial, mas começa a campanha emocionante do Ricardo Barros pelo plebiscito — e emoção é alimento espiritual. Chega de materialismo.
É bem verdade que o Brasil não consegue fazer nem a reforma administrativa. Mas talvez seja justamente esse o problema: estamos pensando pequeno. Por isso é que as novas reformas não andam. Não tem nada a ver com o transtorno da vida nacional provocado pela pandemia e seus aproveitadores. O que falta é pensar grande. O Congresso não consegue dar um passo na reforma tributária, mas uma nova Constituição sai.
Essa é a grande sacada do Ricardo Barros: já que o país está na UTI, vamos aproveitar e fazer logo um transplante de coração. Já estamos aqui mesmo, certo? Mas nada de autoritarismo. Constituinte é participação de todos. Tem que ter bisturi pro PT, PCdoB, Psol, PP, PQP, PODEMOS, QUEREMOS etc. É a festa da democracia na UTI. O país já parou um ano mesmo, então para só mais dois, ninguém vai nem notar. Se o tédio bater a Daniela Mercury faz mais uma laive. Esse coração novo vai ficar uma coisa linda.
Os tarados do lockdown estão maravilhados com a iniciativa do companheiro Ricardo Barros. Estava ficando um pouco difícil manter o país travado com as pessoas voltando a circular e descobrindo que aquele trancamento medieval não salvou ninguém. Um plebiscito é simplesmente perfeito. Enguiça tudo de novo numa outra urgência inútil e os idiotas tomam conta novamente guerreando entre a Constituição futura e a Constituição pretérita, a Constituição de esquerda e a Constituição de direita, a Constituição liberal e a Constituição conservadora, a Constituição fake e a Constituição fuck.
Se no meio disso o Aécio aparecer com uma seringa para vacinar todo mundo, ninguém vai nem lembrar contra que mesmo era essa vacinação. O coronavírus não é ninguém perto da pandemia de estupidez.
Guilherme Fiuza - Jornalista e escritor
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