Para o ministro, o procedimento representa tratamento desumano e degradante, incompatível com a Constituição Federal.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, nesta quarta-feira (28) se a revista íntima de visitantes que ingressam em estabelecimento prisional viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à intimidade, à honra e à imagem do cidadão. Também está em discussão a licitude das provas obtidas mediante este procedimento. Único a votar na sessão de hoje, o relator, ministro Edson Fachin, considera que o procedimento representa tratamento desumano e degradante, incompatível com a Constituição Federal (artigo 5º, inciso III). O julgamento deverá ser retomado amanhã (29), com os votos dos demais ministros.
A questão é objeto do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 959620, com repercussão geral (Tema 998), e servirá de base para a resolução de, pelo menos, 14 casos semelhantes sobrestados em outras instâncias. O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP-RS) contra decisão do Tribunal de Justiça local (TJ-RS), que absolveu da acusação de tráfico de drogas uma mulher que levava 96 gramas de maconha no corpo para entregar ao irmão, preso no Presídio Central de Porto Alegre (RS). Segundo o TJ-RS, a prova foi produzida de forma ilícita, em desrespeito às garantias constitucionais da vida privada, da honra e da imagem, pois a visitante foi submetida ao procedimento de revista vexatória no momento em que ingressava no sistema para realizar visita ao familiar detido.
Ofensa à dignidade humana
Em seu voto, o ministro Fachin assinalou que as provas obtidas a partir de práticas vexatórias, como o desnudamento de pessoas, agachamento e busca em cavidades íntimas, por exemplo, devem ser qualificadas como ilícitas, por violação à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais à integridade, à intimidade e à honra. O ministro observou que, de acordo com a Lei 10.792/2003, que alterou a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) e o Código de Processo Penal, o controle de entrada nas prisões deve ser feito com o uso de equipamentos eletrônicos como detectores de metais, scanners corporais, raquetes e aparelhos de raios-X. A ausência desses equipamentos, para o ministro, não justifica a revista íntima.
Fachin considera que as revistas pessoais são legítimas para viabilizar a segurança e evitar a entrada de equipamentos e substâncias proibidas nas unidades prisionais. No entanto, é inaceitável que agentes estatais ordenem a retirada de roupas para revistar cavidades corporais, ainda que haja suspeita fundada. De acordo com o ministro, a busca pessoal, sem práticas vexatórias ou invasivas, só deve ser realizada se, após o uso de equipamentos eletrônicos, ainda houver elementos concretos ou documentos que justifiquem a suspeita do porte de substâncias ou objetos ilícitos ou proibidos. Segundo ele, isso é necessário para permitir o controle judicial e a responsabilização civil, penal e administrativa nas hipóteses de eventuais arbitrariedades.
O ministro salientou que, na maioria dos estados, as revistas íntimas para ingresso em unidades prisionais foram abolidas, inclusive com regulamentação local. Segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, colhidos de 2010 a 2013, ficou constatada a reduzida quantidade de itens proibidos apreendidos em procedimentos de revista íntima, em comparação com o material ilícito recolhido na fiscalização das celas. Segundo a secretaria, em apenas 0,03% das revistas foram encontrados objetos ilícitos.
Provas ilícitas
Em relação à licitude da prova, o ministro votou pela manutenção do acórdão do TJ-RS, que anulou a condenação da mulher. Ele observou que a revista foi realizada após “denúncia anônima”, fórmula usual para justificar a realização do procedimento.
Tese
O ministro propôs a fixação da seguinte tese de repercussão geral:
“É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos”.
Manifestações
Por videoconferência, o procurador-geral de Justiça do RS, Fabiano Dallazen, defendeu que a revista íntima na entrada de presídios, quando houver suspeita fundada, não é ilícita nem ofende direitos e garantias essenciais do cidadão, pois visa à garantia da segurança e da ordem pública. Segundo ele, o procedimento é excepcional e tem como objetivo evitar a entrada nos presídios de objetos e substâncias proibidas, como armas, telefones celulares e drogas.
Em nome da ré, o defensor público-geral do RS, Antonio Flávio de Oliveira, sustentou que, além de vexatório, o procedimento é ilícito, e as provas eventualmente obtidas por este meio devem ser descartadas. Segundo ele, o momento é de escolha entre civilização ou barbárie, pois, com os instrumentos tecnológicos atualmente à disposição, a revista íntima, que considera inadmissível, é um método ineficaz e irrisório, frente à devastação de integridade individual que representa.
O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, disse que, para o Ministério Público Federal, o controle de entrada nos presídios é necessário para a preservação da ordem. Segundo ele, caso se proíba qualquer tipo de revista, os familiares de presos serão submetidos à pressão de organizações criminosas para que levem produtos ou substâncias proibidas para os presídios. A proposta da Procuradoria-Geral da República (PGR) é que as revistas íntimas sejam realizadas apenas em situações excepcionais, quando não for possível, por motivo de saúde, por exemplo, a realização de revista eletrônica ou mecânica.
Também se manifestaram na sessão representantes da Defensoria Pública da União, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, da Pastoral Carcerária, da Conectas Direitos Humanos, do Grupo de Atuação Estratégica da Defensoria Pública nos Tribunais Superiores (GAETS) e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa Márcio Thomaz Bastos, todos pela ilicitude das provas colhidas por meio de revista íntima ou vexatória.
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