Debate entre Bruno Boulos e Guilherme Covas.
— Absurdo o que você fez no trânsito de São Paulo.
— Que que eu fiz?
— Colocou punho cerrado na luz de pare/siga.
— E daí? É o símbolo do Black Lives Matter. Você fala inglês?
— Óbvio que falo. Como é que eu ia fazer sucesso na Vila Madalena sem falar inglês?
— Isso é verdade.
— Aqueles artistas que eu levo pra tirar foto no acampamento com maquiagem de cara suja também não passariam nem na minha porta se eu não falasse inglês.
— Acampamento tem porta?
— Não é da sua conta. Usei uma metáfora.
— Eu entendi. Também acho fundamental sem-teto usar metáfora. Aliás, acho chiquérrimo.
— Obrigado. Como diria Dostoievski, beleza é fundamental.
— Vinicius.
— Hein?
— Quem disse isso foi Vinicius de Moraes. E não tava falando de metáfora, tava falando de mulher.
— Como é que eu vou citar um boêmio de Ipanema num acampamento sem-teto? Na minha área só entra escritor russo. E eu falo o que eu quiser nesse debate, porque os checadores estão de folga.
— Como assim? Eles não trabalham no segundo turno da eleição?
— Aqui em São Paulo, não. Como ficamos nós dois, eles relaxaram e deixaram com a gente. Eleição fake news free.
— Uau, agora você arrasou. Se eu não fosse candidato votava em você.
— Thanks. Quer dizer, valeu. Eu jamais votaria em você.
— Poxa, é assim que você responde à minha gentileza progressista?
— Sorry. É que eu tenho que manter a minha fama de mau.
— Entendo. Mandar queimar pneu e quebrar tudo não combina com a nossa sofisticada urbanidade, né?
— Exatamente. Eu fiquei todo arrepiado quando te vi mandando soldar porta de comércio. Pensei: esse cara é bom, vou votar nele. Aí lembrei que eu ia ser candidato também, então é o seguinte: absurdo isso que você fez!
— Ué, você acabou de dizer que gostou…
— Absurdo você não ter soldado todas as portas da cidade.
— Calma. Por isso sou candidato à reeleição.
— Mentira. Você teve tempo de soldar muito mais portas do que soldou.
— Se eu soldasse todas as portas como é que você ia invadir?
— Nunca ouviu falar de retroescavadeira?
— Ué, tá no partido do Ciro Gomes?
— Não. Mas fizemos uma vaquinha e compramos a retroescavadeira do Cid. Como você mesmo já disse, acampamento não tem porta.
— Confesso que estou gostando do seu programa de governo.
— Obrigado. Você é muito educado.
— Você também. Ops… Quero dizer… Você é muito rude e malvado.
— Imagina. São seus olhos.
— Um abraço aos seus amigos do Leblon. Pena que eles não votam aqui, senão você ganhava.
— Ué, você tá torcendo pra mim?
— Não sei. Estou indeciso.
— Tem muito indeciso nesta eleição. Eu também estou.
— Normal. Não é fácil frequentar as mesmas festas, puxar o saco dos mesmos artistas, fazer a mesma pantomima politicamente correta e na solidão da urna ter que trair uma alma gêmea.
— Agora me emocionei. Snif…
— Segura o choro, companheiro. Olha a sua fama de mau.
— É que você diz coisas tão bonitas… Os tucanos são líricos. Me lembro daquele colóquio do Doria com o Alexandre Frota, e o Rodrigo Maia aos prantos. Não sou só eu que me emociono.
— Isso é porque você não viu um sarau filosófico do Fernando Henrique com o Luciano Huck.
— Que tal?
— Transcendental.
— Imagino. Mas não posso transcender ainda, tenho muito pneu pra queimar.
— Isso, uma revolução de cada vez. Falar em rua, você podia fazer umas labaredas em frente ao punho cerrado que eu botei na luz de pare/siga.
— Puta foto.
— Primeira página da Folha.
— Com certeza. Mas foi bom você lembrar: que absurdo foi esse que você fez no trânsito de São Paulo?
— Ué, achei que você tinha gostado.
— É genial, mas tem o mesmo problema de soldar porta do comércio: por que não fez luz de punho cerrado em todos os cruzamentos da cidade?
— O dinheiro não deu. Tive que comprar muito caixão pra apavorar a população. Administrar é fazer escolhas: tem uma hora que ou você apavora, ou você irrita.
— Nessa parte de irritar, você perdeu muito tempo com aquele rodízio burro de carros pra fingir salvar vidas, aglomerando o transporte público enquanto repetia “fique em casa”. Tinha que ter concentrado nas luzes de punho cerrado. A demagogia infantiloide e sem pretexto irrita muito mais.
— Tem toda a razão. Meu voto é seu.
— De jeito nenhum. O meu voto é que é seu.
— Nada disso. Votaremos os dois em você.
— Não estou à vontade pra votar em mim. Me sinto um pouco egoísta e autoritário.
— Isso nunca! Democracia acima de tudo. Dane-se o voto.
— Apoiado. Vidas frívolas importam.
— Me empresta a sua maquiagem?
— Claro. A de intelectual ou a de besta-fera?
— A de revolucionário.
— Ah, entendi. Partiu Vila Madalena?
— Sextou.
Guilherme Fiuza - Jornalista e escritor
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