A intenção deste artigo é analisar limites dos poderes de investigação das CPIs, que são próprios das autoridades judiciais.
Não existe o propósito de ferir a autonomia e liberdade dos senadores, nem restringir a investigação parlamentar, que se caracteriza como corolário da democracia.
As observações são feitas, apenas em função da experiência do autor, que conviveu seis legislaturas no Congresso Nacional, inclusive relatando e participando de CPIs controvertidas.
O Parlamento deve dar o exemplo, agindo com base na legalidade e acima das paixões e exacerbações políticas, para adquirir credibilidade na defesa das instituições.
Atualmente, a CPI da Covid atrai as atenções nacionais.
A primeira regra de um testemunho é a objetividade da testemunha, que não pode ser inquirida, nem se manifestar subjetivamente sobre os fatos a respeito dos quais depõe, emitindo opiniões pessoais sobre os mesmos.
Cabe, no caso da CPI, ao relator e membros compararem as declarações com as provas colhidas e firmarem convicção ao final.
Na apuração da responsabilidade de quem deu causa criminosa a um incêndio, o depoimento de um engenheiro se refere ao evento que presenciou, não lhe compete pronunciar-se sobre os riscos de desmoronamentos futuros. Uma perícia é que iria avaliar riscos.
Portanto, falar a verdade para a testemunha, significa explicar as razões do que declara e o contexto das circunstâncias em que ocorreram os fatos.
Não é admitido colocar a testemunha diante do dilema de “sim” ou “não”, pois ela tem o direito de explicar o que considera fundamental, cabendo ao julgador averiguar, se existe adequação entre o que diz e a realidade.
Sobre acusações pública de que a testemunha é mentirosa, antes da finalização da colheita de provas, os tribunais vão muito além e entendem à unanimidade, que a testemunha, deixando de revelar fatos que possam incriminá-la, não configura crime.
A doutrina considera, que pequenas contradições da testemunha são irrelevantes e não retiram a força de suas declarações, firmes e coesas em relação aos pontos principais necessários ao esclarecimento dos fatos.
Ao contrário, depoimento idêntico, em longo espaço de tempo, é que poderia levantar suspeita e afetar a credibilidade.
Chamar alguém de mentiroso é o mesmo que enganador, falsário, fingido.
A respeitada jurista, desembargadora Suzana de Camargo Gomes (TRF da 3ª Região), opinou, com precisão e autoridade, sobre o papel do Juiz, aplicável subsidiariamente às CPIS, na hipótese da testemunha ou indiciado ser acusado de mentiroso, logo após o término da prestação do depoimento:
“No tocante à testemunha mentirosa, não deve o juiz discutir, lançar impropérios, irritar-se; deve, isto sim, ter em primeiro lugar a certeza de realmente ter havido a inverdade, e isto somente será possível depois de muitas perguntas a respeito dos detalhes que cercam os fatos”.
O importante é saber ouvir.
A Constituição não protege declarações, opiniões, ou palavras, que exponham a testemunha sob a acusação da prática de presumido crime, nem autoriza a utilização de expressões “degradantes”, humilhando o depoente, perante a opinião pública (art. 5º, III, da Constituição Federal).
O direito à livre manifestação do pensamento parlamentar, embora reconhecido e assegurado, não se reveste de caráter absoluto, nem ilimitado, que autorize acusar terceiros de crime, antes dos procedimentos legais.
Para o professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo, Pedro Estevam Serrano, o crime de falso testemunho, que é próprio da testemunha, só pode ser imputado ao fim do processo, quando só então é possível julgar se a testemunha mentiu ou não.
Por fim, a lei 13.869/19, que dispõe sobre crimes de abuso de autoridade, proíbe na fase investigativa de ação, ou CPI, dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada” (detenção de 6 meses a 2 anos e multa).
Como tais informações jurídicas, caberá ao internauta formar a sua opinião sobre a postura da CPI do Senado federal em curso.
Fica claro, que as observações feitas não imputam acusações contra os integrantes da atual CPI da Covid.
Apenas, pondera, que a CPI pode muito.
Mas, não pode tudo!
Ney Lopes - Jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino Americano (PARLATINO); ex- Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara; procurador federal; professor de Direito Constitucional da UFRN
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