Na falta de conhecimento, o vácuo é ocupado por qualquer coisa que alguém com poder de decidir acha a mais certa
A epidemia de covid-19 não é a que o presidente Jair Bolsonaro quer que seja. Também não é a que deseja a maioria dos governadores, prefeitos e defensores das modalidades mais radicais de quarentena. Não é, em suma, uma “posição”, ou algo que as pessoas possam definir segundo as suas próprias crenças. A covid-19 é o que ela é – e infelizmente, até agora, não foi possível reunir conhecimentos suficientes para saber com exatidão e segurança a sua natureza.
Cientistas, médicos e pesquisadores dos centros mais avançados do mundo não entendem direito com o que estão lidando. Sabem muitas coisas importantes. Mas não sabem outras, importantes também. Passados dois meses desde o início da tragédia no Brasil, continuamos no escuro em relação a pontos essenciais sobre o que vai nos acontecer – temos mais dúvidas hoje do que no começo. O resultado, para os cidadãos e para as autoridades encarregadas da saúde pública, é essa imensa angústia que está aí.
Se quem está mais qualificado para se manifestar e agir sobre a epidemia não dispõe das certezas necessárias para deter a sua escalada de mortes e sofrimento, parece que deveria haver por parte de todos os outros um pouco mais de humildade ao tratar do problema. É tudo o que não existe no momento. Quanto mais se ignora as questões-chave da doença, mais extremadas ficam as convicções sobre ela e as ações públicas determinadas pelos governos. Qualquer médico sério, que vive há dois meses dentro de uma UTI tratando de pessoas que morrem ou sobrevivem em sua presença, dirá que não pode explicar com certeza científica por que a doença age de uma maneira ou de outra. Mas o guarda da esquina sabe – ou a autoridade que manda nele, e cuja ignorância é basicamente igual.
Está aí a causa para o clima de terrorismo, irracionalidade e destruição em que o Brasil vive hoje – na falta de conhecimento, o vácuo é ocupado por qualquer coisa que alguém com poder de decidir acha a mais certa. Acrescente-se aí o interesse político evidente de muitos dos atuais gestores da epidemia em tirar proveito pessoal da desgraça, e uma corrupção agressiva nas despesas para combater o vírus – não há licitação pública nessas compras e contratos – e temos todos os ingredientes para uma tempestade perfeita.
J. R. Guzzo - Jornalista
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