Com cirurgias eletivas canceladas e menos doentes graves pelo coronavírus, hospitais particulares e públicos sofrem com leitos desocupados
As imagens são tão conflitantes que é difícil absorvê-las.
De um lado, hospitais operando no limite, com UTIs lotadas e, em alguns casos, até saturadas por causa da onda de pacientes com Covid-19.
De outro, dois casos separados de hospitais vazios. Um é o dos hospitais de campanha, cheios de leitos, mas com equipes médicas reduzidas e poucos pacientes para movimentá-los.
Outro, é o dos hospitais particulares. Com cirurgias eletivas canceladas e o pavor generalizado insuflado pelo novo coronavírus na população, estão esvaziados. E perdendo dinheiro.
Nos Estados Unidos, foi calculado que os hospitais estão perdendo um bilhão de dólares por dia por terem reservado leitos para eventuais pacientes sofrendo de Covid-19 e cancelado as cirurgias eletivas.
Só para lembrar: cirurgias eletivas podem evocar algo supérfluo como operações estéticas, mas abrangem todas as intervenções que não são de emergência e fazem uma grande diferença na vida dos pacientes que esperam a remoção de uma catarata para voltar a enxergar ou uma prótese de joelho para andar melhor.
Nos Estados Unidos, elas respondem por 70% do faturamento dos hospitais. A principal associação hospitalar calculou o prejuízo em 50 bilhões de dólares por mês.
A reserva de leitos para uma crise que não aconteceu as dimensões temidas obedeceu ao princípio da precaução, mas também criou problemas próprios.
Ao encolhimento das intervenções já planejadas somou-se o “sumiço” daqueles que, apavorados pela facilidade de contágio do vírus maligno, simplesmente deixaram de procurar cuidados médicos de emergência.
No auge da pandemia em Paris, houve uma queda de 20% nos casos de AVC recebidos nos pronto-socorros.
O que aconteceu com as pessoas que não procuraram atendimento? Sofreram uma variante menos grave, ficaram com sequelas que poderiam ter sido abrandadas ou acabaram morrendo em casa.
Mais de um médico ouviu o desabafo: “Prefiro morrer do que correr o risco de pegar coronavírus”.
A agonia da morte por sufocamento, na ventilação mecânica ou sem ela, descrita em tantos detalhes para todo mundo, provocou esse tipo de reação.
“Onde estão os ataques cardíacos e AVCs que atendíamos? Onde estão os pacientes com apendicite?”, perguntou, retoricamente, a intensivista Allison Bollinger, de um hospital de Sacramento.
Numa pesquisa pelo Twitter, quase metade dos cardiologistas registrou uma queda de 40% a 60% no atendimento.
“Em tempos normais, nunca temos tantos leitos livres”, escreveu a cardiologista Harlan Krumholtz no New York Times.
Segundo uma pesquisa do Guardian sobre a situação na Inglaterra, houve cerca de oito mil mortes excedentes em casa. Cerca de 80%, atribuída à Covid-19, as demais por outras causas.
Médicos entrevistados pelo jornal mencionaram uma queda de até 50% nos atendimentos não relacionados ao novo vírus.
Na Grã-Bretanha, foram adaptados cinco grandes hospitais de campanha – chamados de hospitais Nightingale por causa da pioneira da enfermagem, Florence Nightingale, que começou seu trabalho na guerra da Crimeia.
Nenhum desses hospitais chegou a ter ocupação máxima. Ao contrário, um médico deslocado para o maior deles, em Londres, disse que os profissionais estavam com o moral baixo diante da falta de pacientes.
“Não precisamos fazer um uso extensivo do Nightingale de Londres graças aos excelente trabalho do pessoal do Serviço Nacional de Saúde, que liberou mais de 30 mil leitos nos hospitais já existentes”, disse Simon Stevens, diretor do NHS.
“Podemos considerar que foi um sucesso para todo o país não termos usado esses hospitais”.
Outro motivo para hospitais vazios, inclusive os de campanha: diante do tamanho da epidemia nos países ocidentais, não foi seguido o protocolo usado na China de tratar todas as pessoas com sintomas, mesmo leves, como forma de isolá-las.
Daí os gigantescos hospitais temporários construídos em dez dias em Wuhan.
Na Europa e nos Estados Unidos, a recomendação foi que os contagiados ficassem em casa e só procurassem tratamento nos casos mais graves.
O refluxo da epidemia na Inglaterra foi notada pelos pesquisadores que buscam uma vacina, o recurso mais definitivo contra o novo coronavírus.
Um dos obstáculos, por incrível que pareça, é que podem faltar pessoas para testá-las.
“É uma corrida contra o tempo e contra um vírus em refluxo”, disse ao Sunday Times o diretor do Instituto Jenner, de Oxford, Adrian Hill.
A “vacina de Oxford” é uma das mais promissoras.
“Dissemos que havia uma probabilidade de 80% de desenvolver uma vacina eficaz até setembro. Mas, no momento, existe 50% de chance de que não consigamos resultado nenhum”.
“Estamos na posição bizarra que querer que Covid dure pelo menos um pouco mais”. Dá para acreditar?
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