Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
Foi bonita a festa, pá. Liderados pelos veteranos Caetano Veloso e Chico Buarque, dezenas, não!, centenas, não!, milhares de artistas se reuniram em frente à Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, para pedir a libertação do jornalista, não!, blogueiro, não!, jornalista Oswaldo Eustáquio. “A interdependência da estaquilização e da oswaldilização num prisma de repressão anarcojurídica me preocupa. Ou não”, afirmou Gilberto Gil, para delírio da plateia que, entre os atos, gritava “vem pra rua! Covid não pega ativista!”.
O ato começou tímido, por volta das 18 horas. Só depois das palmas para o pôr-do-sol no Arpoador é que o centro do Rio de Janeiro começou a se encher de camelôs vendendo miçangas para aquela gente compromissada com a democracia e as liberdades individuais – e que sabia de cor a letra de Circuladô de Fulô. De acordo com o Datafolha, às 21 horas o ato reunia 5 mil pessoas. Segundo os organizadores, eram 50 mil.
Querelas matemáticas à parte, o fato é que todos se emocionaram quando Márcia Tiburi subiu ao palco enrolada na bandeira brasileira e puxando o Hino Nacional na versão do Olodum. “Musicalmente horrível, mas politicamente menos horrível”, disse a cantora Zélia Duncan. Depois do Hino, Tiburi encarnou a incansável professora para explicar a todos que o “tecnoturbomachofascismo” também está no centro da decisão que mandou prender Oswaldo Eustáquio por promover “pautas antidemocráticas” – se é que foi por isso mesmo.
Logo em seguida, subiu ao palco o escritor João Paulo Cuenca. “Também eu estou sendo perseguido por pastores evangélicos. Mas por que o STF não vem aqui me prender? Porque eles sabem que estou do lado certo da história, que faço parte dessa esquerda privilegiada, com voz dentro das redações de jornal”, disse ele. No dia seguinte, o discurso de João Paulo Cuenca seria visto como “um marco da autocrítica necessária ao PT”. Já o PCO considerou o discurso “coisa de burguês”.
Os atos pedindo a liberdade de Oswaldo Eustáquio continuaram com artistas de maior ou menor relevância, todos expressando seu compromisso com a democracia, o Estado de Direito e, claro, a liberdade de expressão. “Liberdade de expressão aqui? Ha/ Não existe/ Eu fiz "hoje eu tô feliz" e fiquei triste/ Pois já não posso mais nem sair em paz/ Os fdp confundem artistas com marginais/ Mas eu não sou um marginal/ Isso é um grande erro/ Sou apenas um artista como todo brasileiro/ E o meu erro foi dizer o que não devia/ Acreditei que existia o quê: democracia”, cantou Gabriel o Pensador. Que, infelizmente, saiu do palco vaiado após se recusar a cantar “Lôraburra”, com medo de ser cancelado.
Por volta das 22 horas, um homem usando roupas pretas subiu ao palco, causando desmaios entre a multidão que, segundo os organizadores, já passava de milhão. Era o ex-juiz, ex-ministro e ex-indicável ao STF Sergio Moro. Pela primeira vez na vida, Moro abandonou os cincunlóquios e o juridiquês com sotaque maringaense para dizer com todas as letras que Oswaldo Eustáquio merece a liberdade e que o inquérito secreto do Supremo é, no mínimo, imoral. “E, para reforçar a mensagem, chamo para o palco meu amigo Luiz Inácio Lula da Silva!”, anunciou Moro. Mas era só uma brincadeira.
Por fim, Chico Buarque e Caetano Veloso entraram juntos no palco. Gilberto Gil, que pretendia entoar refrões como “Andá com fé eu vou/ Que a fé não costuma faiá”, infelizmente passou mal no camarim ao comer um churrasco de melancia preparado por sua filha Bela. Preta Gil se ofereceu para substituir o pai, mas os organizadores acharam melhor não. Alguém gritou que era gordofobia e, por alguns minutos, o kissuco de dendê ferveu nos bastidores. Os ânimos se acalmaram depois que Fernanda Montenegro, impostando a voz sempre muito grave, lembrou a todos, recitando um filósofo/poeta qualquer cujo nome me foge agora, que “a liberdade de nossos inimigos políticos é causa mais nobre do que esse negócio de gordofobia aí, tá ligado?”.
Caê foi o primeiro a falar. E falou e falou por duas horas. Contou suas agruras na prisão, reconheceu o caráter antidemocrático da esquerda déliciosamente festiva daquele tempo e afirmou estar aprendendo muito com “esse menino” Jones Manoel, antes de gritar: “Eustáquio Livre!” Já Chico preferiu pegar o violão e simplesmente entoar um “Apesar de você/ Amanhã há de ser outro dia”.
O ato terminou com todos de mãos dadas cantando “Imagine” em português, na versão de Odair José. A multidão se dispersou tranquilamente, cada qual em paz, consultando o Twitter de segundo em segundo e ansioso pela notícia de que Oswaldo Eustáquio finalmente seria libertado. O que, até o fechamento desta edição, não aconteceu.
Paulo Polzonoff Jr. - jornalista, tradutor e escritor.
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