segunda-feira, 29 de março de 2021

A desinformação nunca desliga... ✰ Artigo de Marcelo Rocha Monteiro.

Procurador expõe campanha sistemática da Globo: "Desistiu de informar e prefere fazer política"

Na quinta-feira da semana passada, a apresentadora (substituta) do Jornal das 10 (da noite) da GloboNews anunciava as manchetes daquele dia.
Uma delas despertou minha curiosidade:
“Presidente Bolsonaro confunde toque de recolher com estado de sítio.”
Como assim “confunde”?
Resolvi fazer um esforço e não mudar de canal para aguardar a matéria jornalística.
Chegada a hora, a apresentadora “explica” que o presidente, “erroneamente” (assim mesmo) “confundiu o toque de recolher” decretado por alguns governadores e prefeitos com o estado de sítio.
Prossegue a jornalista: diferentemente do estado de sítio, que está na Constituição, o toque de recolher “está previsto na Lei 13.979, de 2020” (a chamada lei da pandemia), “que prevê restrições à liberdade de locomoção”.
Hein???
Fiquei tão assustado que fui correndo conferir o texto da Lei 13.979. A lei é curta (somente 9 artigos), e havia me chamado a atenção o fato da apresentadora não ter dito em qual deles estava previsto o toque de recolher.
Será que algo havia me escapado, eu que em tantas postagens já havia tratado da inconstitucionalidade do toque de recolher fora do estado de sítio?
Será que depois de 34 anos de atuação no Ministério Público e quase o mesmo tempo lecionando eu estaria desaprendendo Direito?
Não. Nada disso. Simplesmente a emissora faltou com a verdade. Não foi dito o número do artigo simplesmente porque não há nenhum artigo da Lei 13.979 que preveja toque de recolher. As medidas que poderão ser adotadas para enfrentamento da emergência sanitária estão previstas no artigo 3º, distribuídas por 9 incisos, em algarismos romanos:
I - isolamento (separação de pessoas doentes ou contaminadas de outras)
II - quarentena (restrição ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das que não estejam doentes)
III - determinação de realização compulsória de exames, testes laboratoriais etc.
III - A - uso obrigatório de máscaras
IV - estudo ou investigação epidemiológica
V - exumação, cremação e manejo de cadáveres
VI - restrição excepcional e temporária, POR RODOVIAS, PORTOS E AEROPORTOS, de entrada e saída DO PAÍS e locomoção INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL.
Aqui uma observação: se alguém não sabe ver a diferença entre essa restrição do inciso VI e o toque de RECOLHER, que significa a PROIBIÇÃO DE CIRCULAR EM VIA PÚBLICA e portanto A OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NO PRÓPRIO LAR (RECOLHIMENTO domiciliar, daí o nome), é melhor desistir do jornalismo.
Só para completar, o inciso VII trata de requisição de bens e serviços, o inciso VIII de importação de medicamentos etc., e acabaram-se as medidas.
Os demais artigos tratam de detalhes sobre uso de máscaras e distribuição de equipamentos de proteção individual, notificação obrigatória de autoridades sanitárias, muitas regras sobre dispensa de licitação, suspensão de prazos e outras providências burocráticas.
E só.
O único dispositivo legal que prevê, em caráter excepcionalíssimo, a obrigação das pessoas permanecerem “em localidade determinada” é o inciso I do artigo 139 da Constituição, exatamente o artigo que estabelece as medidas que podem ser tomadas SE FOR DECRETADO O ESTADO DE SÍTIO (apenas pelo presidente da República, e somente se o Congresso Nacional autorizar).
Vejam que no meio jurídico há inclusive quem entenda que o toque de recolher, ou seja, o recolhimento DOMICILIAR, não seria admissível NEM MESMO NO ESTADO DE SÍTIO - a “obrigação de permanência EM LOCALIDADE DETERMINADA” não poderia significar o confinamento no reduzido espaço da residência, e sim a obrigação de não ultrapassar os limites de uma rua, ou quarteirão, ou bairro etc.
Uma coisa é certa: sem estado de sítio, é inconstitucional a decretação de toque de recolher.
Portanto, o presidente Bolsonaro não “confundiu erroneamente” toque de recolher com estado de sítio - o primeiro só pode ser adotado com a decretação do segundo.
Quem errou foi o jornalismo do Grupo Globo - que insistiu no erro no jornal O Globo do dia seguinte.
Das duas uma: ou quem presta consultoria sobre assuntos jurídicos ao jornalismo do grupo é formado em Medicina (ou qualquer outra coisa, menos Direito), ou não se trata de erro, e sim de uma campanha sistemática de desinformação de um grupo empresarial que desistiu de informar e prefere fazer política - mas fingindo que está informando.
Marcelo Rocha Monteiro - Procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

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