O jornal Zero Hora publicou a posição dos parlamentares gaúchos acerca da reeleição dos presidentes do Senado e da Câmara, levada a debate no STF. E, talvez sem querer, acabou tirando a máscara de alguns.
É preciso salientar com ênfase que a Constituição Federal (CF) proíbe expressamente a reeleição que estava sendo armada.
A regra está no art. 57, § 4º, que determina a eleição dos presidentes no primeiro dia da legislatura (no caso atual, foi em 01/02/2019); e que é taxativo ao fixar "mandato de 2 (dois) anos" para as Mesas do Senado e da Câmara e, frise-se, ao proibir "a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente" (que será em 01/02/2021).
Apesar da óbvia proibição, apostando no jogo de interesses que serve ao egoísmo de uns quantos, Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, presidentes atuais do Senado e da Câmara, estavam a negociar a reeleição.
Dos 31 deputados e três senadores gaúchos, sete não foram encontrados por Zero Hora e não opinaram. E a maioria dos demais diz obedecer à CF.
Só o Senador Paulo Paim declarou-se a favor do casuísmo orquestrado. E o Deputado Giovani Feltes não quis se manifestar, o que vem a dar no mesmo.
Reitere-se, a CF não permite a reeleição: "A norma é clara, o português direto e objetivo", declarou a ministra Cármen Lúcia.
Quem afirma o contrário afronta a Carta da República - não importa se é ministro togado ou simples espertalhão da política.
Reagindo às negociatas, o PTB foi ao STF. Na ação, pediu para "afastar qualquer interpretação inconstitucional" que permitisse a reeleição. E o tiro quase saiu pela culatra.
Dos 11 ministros do STF, cinco aplicaram a técnica do "duplipensar" (bela sacada de Orwell) e declararam a Constituição inconstitucional.
Em seu voto como relator do caso, o ministro Gilmar Mendes diz que o Congresso pode alterar a regra constitucional através de uma mudança regimental, de uma questão de ordem ou "qualquer outro meio de fixação de entendimento próprio à atividade parlamentar".
Ou seja, para ele, a questão circunscreve-se no domínio "interna corporis". E a CF (ex-Carta Maior) é rebaixada para a segundona.
A tese de Gilmar Mendes é que "o afastamento da letra da Constituição pode muito bem promover objetivos constitucionais de elevado peso normativo, e assim esteirar-se em princípios de centralidade inconteste para o ordenamento jurídico" (sic).
Kassio Nunes (de recente nomeação por Bolsonaro) também fez das suas, afrontando a CF: embora com ressalva, acolheu a tese da reeleição.
Já o ministro Marco Aurélio Mello fulminou o casuísmo de seus colegas, chamando-o de "critério de plantão": "(...) não se pode colocar em plano secundário o parágrafo 4º do artigo 57 da Constituição Federal".
Para Mello, é inaceitável as Casas Legislativas mudarem as regras "conforme as conveniências reinantes, cada qual adotando um critério, ao bel-prazer, à luz de interesses momentâneos."
Mas o que tira mesmo o sono dos justos é perceber como uma récua de políticos dedicada só ao autointeresse e um STF afeito a piruetas hermenêuticas se encaixam como rodas de uma engrenagem.
Ora, cabe ao senado fiscalizar o STF. Mas não o faz. Por quê?
Óbvio, Alcolumbre responde a vários processos, alguns tramitando no STF. Não foi por nada que, em 13/04/19, falando ao Estadão na qualidade de presidente do Senado, ele prometeu "barrar a CPI da Lava Toga".
E como sanear um Senado que se recusa a fiscalizar o STF? É o que cada um deve perguntar-se e não votar em patifes que só querem surfar no poder e gozar uma vida de nababo que o nosso dinheiro vai custear.
É a resposta a buscar-se para afastar a tentação de "jogar a toalha", quando se sabe que hoje são amplos os meios de manifestação e quando há quase um consenso de que foi a pressão popular que constrangeu ministros do STF a não violar a constituição em favor de Maia e Alcolumbre.
É elementar: para andar bem, o país requer instituições hígidas e atreladas ao interesse comum. Daí, a estratégia para mudar o Brasil como pretendem os brasileiros honestos é sanear as instituições.
Renato Sant'Ana - Advogado e Psicólogo.
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