A realidade de quem precisa do SUS sempre foi de demora no atendimento e de falta de leitos, médicos e remédios
Saúde pública, no Brasil, não faz parte do mundo da classe média alta, mesmo a que não é tão alta assim, e muito menos, é claro, a que está ainda acima, nos galhos mais altos da árvore social. Saúde pública é coisa de pobre. SUS? Esperas dez horas na fila do atendimento?Exames clínicos que não podem ser feitos na semana que vem, nem na outra – daqui a três ou quatro meses, talvez? Cirurgias sem data marcada, do tipo “tente mais tarde”?
É assim que a saúde de milhões de brasileiros é tratada, há 30 anos, todos os dias. Ninguém — governos, mídia, “sociedade civil” — dá a mínima para isso. Por que daria? Não é com eles. O povo, como diria um dos famosos personagens de Chico Anísio, que se exploda.
Entra em cena o coronavírus – ah, agora sim, a saúde publica passa a ser prioridade absoluta. O vírus pega geral. Pega, pode pegar, ou vai pegar as classes apresentadas acima. Tudo muda dramaticamente de figura, então. Fecha tudo. Isola tudo. Confina tudo. Proíbe tudo. Para tudo. Dane-se a necessidade de produzir. Dane-se o pobre que precisa de trabalho para comer e sustentar sua família – não dá, para ele, recorrer às reservas de seus investimentos na bolsa ou em CDIs; ou pega no batente todos os dias ou não ganha um tostão, e sem dinheiro ninguém lhe dá nada. Danem-se os empregos, mesmo porque a maioria das classes médias para cima não precisa de emprego para viver, ou pode substituir o seu se perder.
Toda essa gente, hoje, se escandaliza. “Não se pode colocar a economia acima da vida”, dizem, como se uma coisa impedisse a outra. De um minuto para outro, passaram a se preocupar com a “sobrecarga” nos hospitais, problema que jamais lhes tinha passado pela cabeça na vida.
O brasileiro do SUS escuta, pensa e não entende nada. “Sobrecarga”? Mas a gente vive em sobrecarga, o tempo inteiro. Esqueça a falta de leitos. Não há nem cadeiras para o infeliz sentar. Fica jogado no corredor, até aparecer um lugarzinho. Mas o Brasil que está bem de vida, ou remediado, jamais pensa nessas coisas, porque elas não lhe dizem respeito. Poderiam estar acontecendo em Marte.
Agora, com o coronavírus roncando na porta, entraram em pânico. O que não era problema passou a ser. E, como sempre acontece nessas horas, surgiu a necessidade desesperada de achar um culpado. O judas que encontraram, no momento, é o presidente Bolsonaro. O chefe da nação, como se sabe, é um homem que não sabe utilizar direito a palavra. Em 15 meses de Presidência, não aprendeu nada a respeito, ou aprendeu muito pouco.
Resultado: ao falar sobre a epidemia, dizendo até umas coisas perfeitamente razoáveis, não escondeu o que deveria ter escondido, provocou, criticou, falou mal de A, B e C — e com isso abriu a porta para os seus inimigos caírem matando. "Inimigo da saúde pública". "Irresponsável". "Criminoso". "Genocida". “Renúncia imediata”.
Vai ser acusado, já, de deixar o vírus à solta no Brasil, de propósito. Depois, de ter destruído a economia, eliminado 50 milhões de empregos e sabe lá o que mais. As classes médias ficarão aliviadas por terem encontrado um demônio. E a "pobrezada" do SUS vai continuar se explodindo.
J. R. Guzzo - Jornalista
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