Onde estão os mapas demonstrando os resultados diretos do isolamento total na contenção da epidemia ou na suavização dos picos?
Você está em casa assistindo o governador de São Paulo assumir a paternidade da cloroquina, o ministro da Saúde explicar que traficante também é gente, jornais estrangeiros publicarem foto de covas abertas para dizer que o Brasil não tem mais onde enterrar os seus mortos, entre outras referências intrigantes e estridentes ao mesmo assunto. Se você está paralisado e catatônico é porque já sabe que se trata de um show mórbido, mas está esperando que alguém te diga isso.
Então vamos lá: isto é um show mórbido. Levanta daí.
Onde estão os mapas demonstrando os resultados diretos do isolamento total na contenção da epidemia ou na suavização dos picos? Aqui vai uma notícia real no intervalo da novela: eles não existem. Repetindo: os mapas comprovando o efeito mitigador do confinamento geral sobre o número de infectados, de internados e de mortos não existem. Nova York se trancou em casa e a curva da epidemia seguiu quase como uma reta para cima – dias, semanas, e o gráfico inabalável, mais para subida de foguete que de avião. O que se passa?
Em vez de mapas ou modelos comprováveis, o que você vai ouvir é que sem quarentena seria pior. E fim de papo. Os filósofos do lockdown são invencíveis. E falam pouco. É melhor não insistir, porque senão eles gritam com você, seu irresponsável, alienado, assassino.
Aí vem a própria OMS declarar que a nova frente de contágio está se dando dentro de casa – e que as autoridades de saúde têm agora a tarefa de identificar os infectados no interior dos seus lares. Assim eles poderão ser isolados dos seus familiares e finalmente oferecer ao mundo a tão esperada suavização do surto. Notou como está tudo absolutamente sob controle? Eles só não demonstram suas premissas e estratégias de forma científica porque não querem cansar a sua beleza. Eles têm certeza de que você prefere ouvir um bom discurso e ir dormir tranquilo sabendo que está tudo bem.
Tem sempre uma meia-dúzia de chatos que não gostam de discurso e já notaram que os efeitos do confinamento total sobre a evolução da epidemia não estão sendo demonstrados numericamente – ou seja, permanecem como uma hipótese. Fica em casa porque tem um vírus lá fora, e ponto final. Talvez pensando nisso, o governo de São Paulo resolveu inovar e ofereceu à população um modelo matemático pioneiro, montando no fundo do quintal de algum boteco fechado. João Dória disse que se a quarentena não atingisse 75% da população – observe a precisão – em 15 dias a rede hospitalar não terá mais leitos para atender os infectados. Ou seja: iminência de colapso.
Um dia depois o alerta reapareceu com o dado de 70% – sempre “segundo especialistas”. Deve ser um modelo móvel. E, com certeza, revolucionário, porque nem a OMS, nem cientista nenhum no mundo montou uma fórmula partindo do percentual de confinamento (São Paulo deve ter importado um medidor da China) e estabelecendo sua correlação com a progressão exata da epidemia, o número de vulneráveis infectados e a consequente expansão da demanda por leitos – num cronograma tão preciso que possa ser aferido semanalmente. Vem prêmio Nobel aí.
Junto ao modelo matemático inovador, o governador de São Paulo fez o que vários outros governadores e prefeitos do país estão fazendo: ameaçou prender o cidadão na rua. E essa ética da boçalidade já está em prática em vários pontos do território nacional, com cenas edificantes e civilizatórias de policiais capturando passantes, inclusive mulheres, várias delas tratadas de forma animalesca à luz do dia – sob o silêncio protetor dos humanistas, que estão calados em casa assistindo à novela do vírus.
Ou seja: não está sendo gestada apenas uma ruína proverbial com tudo trancado e a vida adiada indefinidamente. A população também está entregando a sua liberdade de bandeja a tiranetes com propósitos inconfessáveis de poder. O mesmo Dória está usando operadoras de telefonia para vigiar os passos dos seus reféns.
Eles dizem que estão salvando vidas. E vocês, por alguma razão insondável, acreditam.
Guilherme Fiuza - Jornalista
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