Se Bolsonaro tivesse saído por aí dizendo que o Brasil tinha de se submeter a um confinamento radical – todo mundo trancado em casa, fecha tudo, para tudo - não haveria mais, já há muito tempo, confinamento nenhum neste país
Agora, para esse caso do coronavírus, já é tarde demais. Mas para uma próxima vez, se houver uma próxima vez, o presidente Jair Bolsonaro deveria fazer exatamente o contrário do que fez, se quiser sair no lucro numa disputa desse amanho. É simples: basta dizer, em público, que ele é a favor daquilo que é realmente contra, em particular – ou vice versa.
O senhor quer que aconteça “A”, presidente? Então diga que quer que aconteça “Z”. As forças vivas da nação, de Fernando Henrique ao PCC, de Rodrigo Maia a Dilma Rousseff, do STF à Assembleia Geral da ONU, e assim por diante, vão cair matando em cima do que Bolsonaro disser, seja lá o que for. Pronto: daí fica todo mundo contra o que ele, na verdade, também é contra, e a favor do que ele, em segredo, é de fato a favor.
Se Bolsonaro tivesse saído por aí dizendo que o Brasil tinha de se submeter a um confinamento radical – todo mundo trancado em casa, fecha tudo, para tudo, mata, prende e arrebenta - não haveria mais, já há muito tempo, confinamento nenhum neste país. Tinha de dizer, também, que qualquer sugestão de que existe algum tratamento médico possível para o Covid-19 é mentira, traição e coisa de comunista.
Em suma: precisava fazer o que os seus inimigos, sobretudo os que se enxergam como grandes forças na campanha eleitoral de 2022, querem que seja feito. Daí o Brasil voltava a funcionar, na hora.
É verdade que o presidente ia ser acusado de genocídio, e denunciado pelos “juristas brasileiros” nas “cortes internacionais de justiça” por crimes contra a humanidade; ele estaria obrigando os 200 milhões de brasileiros a saírem de casa, irem trabalhar e se contagiarem com o coronavírus, para exterminar a população e ficar mandando no Brasil sozinho, junto com o gabinete do ódio.
Mas e daí? Ele já está sendo acusado de fazer justamente isso. Em compensação, a epidemia estaria sendo tratada pelos médicos e pela ciência, e não pelo guarda noturno e gigantes como os governadores Witzel, Doria, Caiado, Barbalho e mais do mesmo.
O coronavírus, no Brasil, conseguiu o fenômeno de rebaixar questões da química, da farmacologia e da aptidão de gerir a saúde pública ao nível moral dos seus políticos – sobretudo dos governadores, prefeitos e fiscais que todo brasileiro sabe, muito bem, quem são e para o que servem.
Gerou uma massa de mentiras como nunca se viu antes, possivelmente, na história deste país. Levou os meios de comunicação a abrirem mão da lógica, renunciarem ao dever de informar ao público e divulgarem alguns dos mais espetaculares disparates que alguém pode ter lido na vida – como o de que a epidemia pode causar “mais de 600.000 mortos” no Brasil se as medidas de confinamento forem “relaxadas”. Todos, de uma forma ou de outra, se engajaram numa causa que acabou por se tornar maciçamente política – a campanha para impedir a reeleição do atual presidente em 2022.
Bolsonaro pode ser um péssimo presidente. Pode ser, para quem não gosta de nenhum aspecto do seu comportamento, das suas posições ou da sua própria existência, o pior de toda a história do Brasil – passada e futura. Mas a solução para tudo isso está em construir uma candidatura de oposição coerente, ir às urnas e ganhar dele. Tirar vantagem pessoal da desgraça comum, como estão fazendo tantos dos nossos políticos, apenas coloca mais um prego no caixão dessa democracia falida que há por aí.
J. R. Guzzo - Jornalista
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