O discurso de Cunha Lima foi censurado pelos atuais proprietários da Câmara e do Senado. A gravação das suas palavras foi apagada. O que ele disse não existe mais, como na Rússia de Stalin ou da Alemanha de Hitler. É essa a nossa democracia
Dias atrás um jovem deputado federal da Paraíba, Pedro Cunha Lima, do PSDB, foi à tribuna da Câmara e passou para o público uma dessas informações curtas e definitivas que valem mais do que tratados inteiros de ciência política. A informação do deputado demonstra, por A + B, o grau de degeneração a que chegou a democracia que existe oficialmente no Brasil desde a Constituição de 1988 – aliás, o ano em que o deputado nasceu. Cunha Lima tem apenas 32 anos de idade, incompletos. Também faz parte da dramática minoria de pessoas decentes que hoje têm um assento no Congresso Nacional. Naturalmente, por esse motivo, é amordaçado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, pelos pajés que mandam no pedaço e pela mídia que só consegue se interessar, durante 24 horas por dia, em Rodrigo Maia e mais do mesmo.
Cunha Lima está cumprindo o seu segundo mandato como deputado pela Paraíba. Isso quer dizer, lembrou ele da tribuna, que chegou a Brasília no ano de 2015. Muito bem: dias atrás, ele verificou que a Câmara depositou na sua conta bancária – sem que ele, obviamente, tivesse pedido nada – uma importância em dinheiro como “indenização” pelas despesas que teve para se mudar da Paraíba. Isso mesmo: o Erário público está dando dinheiro ao deputado cinco anos depois da sua mudança. Na verdade, está forçando o rapaz a participar da pilhagem sem descanso aos recursos do país – roubo que as regras escritas pelos próprios deputados não apenas permitem, mas obrigam que seja cometido, independente da vontade do beneficiário.
Cunha Lima citou o seu caso. É apenas um. Aberrações como essa acontecem todos os dias, sem parar nunca. É essa a vida normal do Congresso Nacional: enquanto você trabalha, eles roubam o dinheiro dos seus impostos e o transferem, sem escalas, para os seus próprios bolsos. A diferença é que Cunha Lima falou – e só falou agora porque só agora ficou sabendo do assalto cometido em seu nome, originalmente, cinco anos atrás. A maioria fica quieta. “Isso não está sujeito à discussão”, observou ele. É errado, pura e simplesmente. Como o deputado deixou perfeitamente claro em seu discurso, não há país que aguente, quando se trata desse jeito o dinheiro público – mesmo porque é dinheiro que, embora saia do bolso de todos, vai fazer falta, justamente, para os brasileiros mais pobres, os que mais precisam do recurso que está sendo desviado para “indenizar” uma mudança feita cinco anos atrás.
Num momento desesperado como o que o Brasil vive hoje, quando o coronavírus mundial deixou escancarada a necessidade de investir na saúde pública, o episódio do deputado Cunha Lima é exemplar do abismo em que o Brasil está enterrado. A classe política fica cada vez mais selvagem na sua voracidade em transferir renda dos mais pobres para os mais ricos. Nossas “instituições”, como se diz, continuam a viver com o mesmo padrão de extravagância e de desprezo sem limites pela maioria que sempre adotaram – é como se estivessem em Marte. No momento, negam-se a tirar um centavo dos bilhões que estão nos “Fundos” Partidário e Eleitoral para ceder às vítimas da epidemia. Além de se esconderem como um bando de coelhos assustados, cuja proteção, transporte e até plano médico são pagos diretamente por você (o presidente da Câmara, em especial, viaja unicamente em jatinhos da FAB) só sabem lançar acusações, caçar culpados e dedicar-se a tirar vantagem eleitoral do desastre.
O discurso de Cunha Lima foi censurado pelos atuais proprietários da Câmara e do Senado. A gravação das suas palavras foi apagada. O que ele disse não existe mais, como na Rússia de Stalin ou da Alemanha de Hitler. É essa a nossa democracia.
J. R. Guzzo - Jornalista
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