Na pandemia, apareceu uma quantidade surpreendente de ditadores de quintal no Brasil
Um dos aspectos mais perversos da violência social imposta ao Brasil com o combate à epidemia trazida pelo coronavírus é o assalto aberto contra as liberdades públicas e individuais. É chocante. Na cascata sem fim de decretos, ordens e regras adotadas todos os dias pelas autoridades para enfrentar a doença, há restrições de primeiro grau aos direitos do cidadão - algo compreensível, e na verdade inevitável, diante da ameaça real à saúde púbica e ao interesse comum. Em grande parte, também, não há nenhuma dúvida sobre as boas intenções, a dedicação e a competência de muitos agentes do governo e de organizações privadas no trabalho que entendem ser o melhor para combater o vírus.
Nenhum problema, aí - são pessoas que assumem as suas responsabilidades na crise e tentam, honestamente, fazer o que podem. O problema é que muita gente em posição de mandar está se aproveitando da oportunidade, com malícia intencional e premeditada, para criar ditaduras pessoais nos pedaços maiores ou menores em que mandam.
Essas pequenas tiranias não vão durar para sempre, é claro - mas serão aproveitadas até o último suspiro pela surpreendente quantidade de ditadores de quintal que apareceu, de uma hora para outra, em todo o território do Brasil. Eles exibem 24 horas por dia o que têm, realmente, dentro de suas almas: uma hostilidade agressiva, rancorosa e ressentida contra os direitos dos cidadãos que governam - e a paixão sem disfarces em mostrar para o mundo que “aqui quem manda sou eu”. Você pode ver, o tempo todo, quem são eles. Estão entre os 27 governadores, 5.500 prefeitos e milhares de fiscais, para não falar em síndicos de prédio e no guarda da esquina, que se descobriram, de um momento para outro, num limbo legal onde não está claro o que podem ou não decidir. É óbvio que tomaram a opção pela ditadura. Cinco minutos depois de verem que a maior parte da Justiça brasileira abandonou o dever de apreciar a legalidade de seus atos, passaram a agir como quem pode decidir tudo.
É perturbador verificar a rapidez com que a mídia, as entidades encarregadas de vigiar se as liberdades do cidadão estão sendo respeitadas e as personalidades que protestam dia e noite contra qualquer arranhão, real ou imaginário, no estado de direito aceitaram a multiplicação de tiranos por este País afora.
Um bandido, ou outro vagabundo qualquer, que apanha da polícia ao ser preso, vira tema de destaque imediato nas manchetes e nos telejornais; o Ministério Público entra em transe e os governadores exigem a apuração imediata e rigorosa da violência policial. Hoje está tudo permitido. Correram o País as cenas da brutalidade com que a Guarda Municipal de Maringá, cidade do interior do Paraná onde se formou o ministro Sérgio Moro, prendeu, agrediu e algemou o dono de um lava-carros que queria trabalhar. Não houve, fora das redes sociais, a mais tímida objeção a esse crime - que se reproduz, com variações, por toda a parte. Em tempos de peste, qualquer prefeitinho vira o Grande Ditador.
O vírus não é o único perigo para o Brasil de hoje. Tão ruim quanto isso é a cumplicidade do Judiciário, dos meios de comunicação, das classes “liberais” e de tanta gente com os tiranos que a covid-19 trouxe à luz. Quem acha certo trocar liberdade por mais segurança não merece nenhuma das duas coisas. Ser livre exige assumir responsabilidades, e não abandonar sua vida à autoridade - ao contrário, a história da liberdade é a história da limitação do poder no governo, nunca do seu aumento. O diabo é que há gente demais com medo de responsabilidades. É o que estamos vendo neste Brasil da epidemia.
J. R. Guzzo - Jornalista
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