É estranho pensar que, há até bem pouco tempo, a expressão “toque de recolher” soava impensável para a nossa realidade. Qualquer governante que ousasse sugerir tal coisa seria imediatamente responsabilizado, ou até mesmo afastado de suas funções.
Isso porque, no Brasil, só existe uma única hipótese possível para o “toque de recolher”. Apesar de não aparecer com este nome, esta possibilidade é prevista no art. 139, I da Constituição Federal. Ela só é possível no ESTADO DE SÍTIO.
O toque de recolher sequer é permitido no estado de defesa. É necessário que haja uma restrição ainda mais severa - o estado de sítio - para que ele seja constitucional.
E somente o artigo 139, I prevê esta possibilidade em nosso ordenamento jurídico, ao dizer que, na vigência do estado de sítio, poderá haver a obrigatoriedade de “PERMANÊNCIA EM LOCALIDADE DETERMINADA”.
Essa restrição de liberdade é tão grave, mas tão grave, que só pode ser feita por uma única autoridade no Brasil: o PRESIDENTE DA REPÚBLICA. E, mesmo assim, ele só poderá fazê-lo desde que obtenha autorização do Congresso Nacional.
Qualquer outra autoridade que, eventualmente, decrete o “toque de recolher” (ainda que dê outro nome para disfarçar), estará agindo abusivamente, pois não tem competência para tanto, e seu ato será inconstitucional.
Nunca pense que sua liberdade está garantida. Por mais que você se sinta livre, saiba que sempre haverá alguém pronto e disposto a subtraí-la sob os mais belos pretextos. “É para o seu bem”.
Neste caso, caberão (aí sim!) providências judiciais para o restabelecimento da ordem.
Se além de “para o seu bem” ainda vier junto um “isso é para o bem de todos”, aí o poder de convencimento se incrementa formidavelmente: você entregará sua liberdade com muito mais gosto - e até mesmo com um certo orgulho no peito. Você se sentirá moralmente elevado.
Sim, eles sabem mexer muito bem com seu medo e sua vaidade, e esses seus sentimentos inferiores serão necessariamente usados contra você.
Se você não estiver atento, irá entregar o pouco que restou de sua liberdade de bandeja, e ainda achará bom. Assim, de entrega em entrega, você vai caminhando para o caos.
“O preço da liberdade é a eterna vigilância”.
Ludmila Lins Grilo - Juíza da Vara Criminal da Infância e Juventude de Unaí (MG)
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